Uma madrugada gelada. Lembro que foi preciso colocar uma camada de roupas a mais mesmo estando dentro do saco de dormir que é apropriado para temperaturas negativas. À noite a sensação era de que estavam jogando grãos de areia sobre as nossas barracas. Acordei em torno das 7 horas com a exclamação do Paulo: – Cris venha ver a Neve! Quando abri a barraca veio à visão sensacional, estava tudo coberto de branco. Levantei rápido e logo sai fazendo várias fotos da neve, pois eu nunca tinha visto tal fenômeno da natureza ao vivo e a cores. Lembrei e escrevi o nome de algumas pessoas especiais na camada branca no solo. O ar estava muito gelado, era difícil até ligar à câmera, mesmo assim, tirei mais algumas fotos e fomos para o galpão tomar o nosso café da manhã.
Após a euforia de ver a neve e da beleza do visual coberto de branco, veio à preocupação com o nosso próximo trajeto, o Paso John Gardner, o ponto mais alto e mais difícil do Circuito “O” do maciço Paine, uma subida que chega a 1.200 metros de altitude e ligando o acampamento Los Perros à belíssima visão do Glaciar Grey. Neste dia estávamos em 15 pessoas de várias partes do mundo no acampamento e todos com o mesmo desejo, cruzar o Paso. Assim, iniciamos às “negociações” com o Guarda Parques Daniel, que coordenava ás operações em Los Perros. Daniel se comunicou por rádio com o acampamento Paso e concluíram que se subíssemos todos juntos seria possível liberar a nossa partida, assim, logo todos começaram preparar suas coisas para subir. Ao conversar com o Guarda Parques Daniel, comentei estar portando um GPS com um trajeto que baixei da internet, trajeto este que me fez pagar o maior “mico” da viagem. Até Los Perros o trajeto marcado pelo GPS comparado aquele que percorremos estava fechando passo a passo, seguíamos marcando a linha amarela (trajeto atual) sobre a linha verde (trajeto gravado no GPS) com perfeição, no entanto, após o acampamento Los Perros foi aberto um novo caminho subindo pela margem esquerda do Rio Perros e o trajeto que gravei no meu GPS era antigo e seguia pela direita do Rio. Resumindo a história, iniciamos e pernada e tomei a frente do grupo para fazer a navegação, no entanto, estava muito difícil de ver a trilha coberta de neve e, além disso, o trajeto Figura 18: Neve no acampamento Los Perros. 19 marcado no GPS indicava outro caminho, assim todo mundo fez aquela cara de “esse Brasileiro não sabe usar GPS”, e todos seguiram pela trilha marcada pelas estacas na cor vermelha fixadas em alguns pontos da trilha. Fiquei decepcionado comigo mesmo, se ao menos tivesse testado parte do trajeto no dia anterior teria percebido e talvez perguntado sobre este novo caminho que havia sido criado há pouco tempo. Bueno, lição aprendida.
Saímos em torno das 10h00 min e seguimos todos juntos pela trilha, mas o grupo era lento, e à medida que subíamos a neve e as dificuldades só aumentavam, percorremos cerca de 2,5 km até a saída do primeiro bosque, na subida pelas pedras cobertas de muita neve encontramos um outro guia que havia passado pelo Passo naquele dia, o Rodrigo. Naquele momento o vento era muito forte seguido de uma forte nevasca, eles chamam isso de “Vento Blanco”, uma intempérie muito difícil de enfrentar e muito perigosa, assim, Rodrigo conversou novamente com Daniel pelo rádio e nos obrigou a retornar, pois não havia condições de liberar nossa passagem pelo Paso. Todos ficaram muito chateados com a notícia, mas não havia nada a ser feito, a não ser voltar ao acampamento e esperar. Naquele momento aconteceu um fato muito engraçado, um rapaz integrante do grupo chamado Daniel Vergara do Chile exclamou sorrindo: – “No hay problema, vamos por Mória!” (referindo ao filme “O Senhor dos Anéis”, Parte I onde os integrantes da expedição são obrigados a tomar outro caminho devido a uma forte nevasca). Apesar da frustração por termos que voltar, rimos muito com a situação lembrada por Daniel.
Almoçamos ao chegar ao acampamento e percebemos que a maior parte do grupo de 15 pessoas resolveu retornar ao acampamento Dickson, isso significava refazer todo trajeto de volta. Conversamos Paulo e eu, e decidimos ficar, apostando na melhora do tempo e na possibilidade de cruzar o Passo no outro dia. As roupas estavam molhadas e úmidas, então o Alexandre, dono do bar do acampamento nos ofereceu seu fogão à lenha para nos aquecer e nos secar durante a tarde, foi a nossa salvação, passamos umas três horas em frente ao fogo conversando e secando tudo. Neste dia não acampamos, dormimos dentro do barracão, no chão, junto com outros aventureiros que chegaram. Fomos dormir cedo e estávamos ansiosos pela melhora do tempo no próximo dia.
Transcrição do diário da viagem por: Cristiano da Cruz e Paulo Adair Manjabosco
Data do Relato: 15 a 30/03/2014
Texto e Fotos: Cristiano Da Cruz
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