Ciclotour Chuy até Punta del Este parte 1

Prelúdio

Desde que fiz a minha primeira viagem solo de bike pelo Uruguay, lá no carnaval de 2015, acabei ficando com uma ideia fixa na cabeça e um sentimento forte que era necessário voltar para mergulhar mais fundo e conhecer mais daquele lugar que arrebatou por completo meu coração aventureiro.

Comecei a planejar a viagem logo depois que voltei da travessia da Serra Fina – MG, em meados de agosto de 2016. Já tinha um roteiro mais ou menos montado na cabeça que seria ir da cidade de Chuy que fica junto da sua irmã brasileira Chuí (irmãs siamesas, diga-se de passagem) e tomando sempre o caminho mais próximo do litoral, passando por Montevidéu terminando o pedal em Colonia del Sacramento, de onde voltaria para Porto Alegre de ônibus.

No primeiro momento, pensei em fazer a viagem solo como na vez anterior, mas pensando daqui e dali, achei melhor convocar o pessoal da trupe de indiadas que participo, os Suricatos Hiperativos, onde de imediato apareceram mais três pessoas interessadas. Fiquei mais animado ainda,  sabia que seria muito mais divertido tendo a participação de alguns amigos do nosso pequeno grupo de hiperatividades. Mas com o passar do tempo e a aproximação da data limite para fechar a viagem, tivemos duas baixas no grupo, restando assim apenas eu e meu brother de perrengues, indiadas e afins, Mr. Ricardo Tavares.

Sem muito mistério ou complicação, organizamos os equipamentos de camping, as bikes, e combinamos nosso encontro no dia 2 de dezembro na rodoviária de Porto Alegre, onde pegamos o ônibus às 23 horas para o Chuí.

A viagem Porto Alegre x Chuí tem uma duração de cerca de 8 horas, onde, pegando o horário noturno, dá para ir dormindo tranquilamente, pois o ônibus praticamente não pára e o caminho é quase que uma reta sem fim, fator este que favorece o sono das crianças.

“O nômade conserva um segredo de felicidade que o cidadão perdeu, e por este segredo sacrifica a comodidade e a segurança. Múltiplos são os êxitos, os álibis e as sensações da viagem, mas um só é o profundo e verdadeiro motivo interior que a determina: perseguir o segredo daquela remota felicidade.”

Domenico De Masi

A máquina!

Primeiro dia: Chuy x Punta Del Diablo

Chegamos bem cedinho, por volta das 7:30 da manhã, horário de Brasília, com tempo chuvoso. Logo começamos a organizar as bikes que estavam desmontadas e embaladas nos mala bikes. Foi neste momento que percebi um pequeno problema na minha bike: o cubo da roda dianteira estava com uma folga no eixo que exigia um pequeno aperto, porém não tínhamos a chave 17 para fazer o ajuste e poder dar início a nossa viajem. A solução era aguardar o comércio abrir e ir numa oficina de bicicletas para resolver a questão. Como no Uruguay não tem horário de verão e era sábado, resolvemos procurar uma padaria para tomar um café , comer alguma coisa para enganar a torcida e matar o tempo. Além disto, precisávamos também, fazer cambio de moeda e comprar alguma coisa de comida para os dois primeiros dias. Pergunta aqui, ali e logo encontramos uma oficina de bicicleta e uma casa de cambio praticamente na frente uma da outra. Resolvidas todas as questões, era hora de tocar para a Aduana Uruguaia e fazer os procedimentos para dar entrada oficialmente no Uruguay.

Agora sim! A Ruta 9 pela frente.

Começamos o pedal por volta das 11 h 30 min, com céu nublado, sem vento e temperatura amena, ou seja, uma maravilha para começar a brincadeira e poder ir se acostumando com o peso na bike. O ritmo inicial era o famoso passinho do calango sonolento, 15 km/h.

Não tínhamos um destino certo para este dia, a ideia era rodar algo por volta de 40 ou 50 quilômetros no máximo e encontrar um camping. A primeira opção era o parque do Forte Santa Teresa ou, se estivéssemos dispostos, tocar um pouco mais adiante, até Punta Del Diablo.

Quando cheguei na frente da entrada principal do parque, me deparei com a entrada para a Laguna Negra, que ao contrário do Forte, eu não conhecia ainda. Fiquei ali aguardando o Ricardo que vinha um pouco atrás para decidir para qual lugar seguiríamos. Rapidamente decidimos tocar para a Laguna Negra, um desvio de 4 quilômetros para fora da Ruta 9, pegando uma estrada de terra em boas condições.

Chegando lá, por volta das 14:30, de cara encontrei um quiosque fechado bem na beira da água e não pensei duas vezes, parei a bike e tratei logo de montar a cozinha e começar a “operação fome zero”. Ficamos por ali mais uma hora e pouco, dando aquela tradicional “jiboiada” com um nababesco café passado na hora. Só então, depois do ritual do café e com os neurônios funcionando adequadamente, tomamos a decisão do que fazer. Se acampar ali mesmo, ir para o Forte ou tocar mais uns 15 quilômetros até Punta Del Diablo. Optamos por seguir até Punta Del Diablo.

A Laguna Negra é linda e além disto, perfeita para um acampamento selvagem, mas a nossa escolha já tinha sido feita. Juntamos as tralhas, as forças e voltamos a pedalar. Tínhamos 4 quilômetros de terra com uma boa subidinha até alcançar o asfalto da Ruta 9 e então ir até Punta Del Diablo.

Chegamos por volta das 18 h 30 min, fomos até a beira da praia para dar uma conferida no visual e atento também para localizar um camping para nosso pouso.  Como era baixa temporada, somente um camping estava aberto, partimos para lá com o sol indo embora e a noitinha chegando mansa. Ao chegar ao ótimo Camping La Viuda, tratamos de montar nosso circo, tomar um bom banho e jantar com um céu estrelado que nos dava as boas vindas para as nossas noites no Uruguay.

Resumo do primeiro dia:

Distância percorrida: 60 quilômetros

Custo camping: 200 pesos

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Segundo e terceiro dia: Punta Del Diablo x Valizas & Cabo Polônio

Acordamos junto com o sol e lentamente, após o café da manhã, desmontamos o acampamento e por volta das 8 horas iniciamos nosso percurso do dia pela Ruta 9. O dia estava bonito e até umas 10 horas a temperatura seguia amena, seguimos num ritmo bastante tranqüilo e conversando durante a pedalada. Na medida que o sol subiu, a temperatura começou a complicar um pouco as coisas e ao chegar em Castillos, já passando do meio-dia, resolvemos dar uma parada de uma hora na sombra, fazer um lanche e ficar atirado na relva curtindo o calorão já na Ruta 16.

Depois de mais de uma hora curtindo o ócio criativo na relva, resolvemos seguir viagem, ainda com o sol escaldante. Apesar da temperatura alta, eu em especial, estava muito empolgado pois sabia que já estava bem perto da mítica Ruta 10, que é um pequeno paraíso para quem curte cicloturismo, tanto pelo visual como pela tranqüilidade devido ao baixo movimento de veículos. Rodamos um pouco menos de uma hora e demos outra parada num gramado estratégico debaixo de algumas árvores para hidratar e esfriar a cabeça pois não estava fácil. Neste momento, enquanto jogávamos conversa fora, avistei uma bike carregada vindo no sentido contrário. Tratava-se de um argentino, gente finíssima, que estava subindo para o Brasil e que pretendia dar a volta ao mundo pedalando. Não demorou muito e quando olhei para o outro lado, outra bike, essa seguia no mesmo sentido que o nosso, e ao se aproximar, parou e desceu o paulista Martins, que estava dando um giro até o Cabo Polônio. Aquela parada rendeu uma reunião muito divertida entre quatro malucos de quatro lugares diferentes, mas com a mesma patologia em comum: a ciclo indiada. Mais uma hora parado. Comendo laranjas, que nosso Hermano nos ofereceu, e bebendo água. A paradinha foi muito divertida e útil, pois o sol não queria dar moleza para nós, e também por outro lado, já estávamos bem perto do nosso destino do dia, ou seja, não havia necessidade de torrar o lombo na estrada.

Após uma despedida longa e cheia de honrarias entre um grupo tão distinto e seleto de gente perturbada, tocamos em frente e logo entramos na Ruta 10, onde andando mais uns quarenta minutos chegamos em nosso destino. O Martins nos acompanhou até o centrinho de Valizas e de lá tocou para o Cabo Polônio. Fomos logo para o Camping Lucky Valizas, que eu já conhecia de outros tempos e virei fã pois tem uma atmosfera roots e é bem estruturado, sem contar a recepção simpática de sempre da Luciana e sua equipe. Recomendo.

Acampamento devidamente montado e de banho tomado, fui logo comprar algo gelado para beber com a janta, onde conversando, ficou decidido que ficaríamos um dia mais em Valizas, pois eu queria muito fazer a caminhada pelas dunas até o Cabo Polônio e também pelo fato do Ricardo estar precisando descansar um pouco mais. Juntamos o útil ao agradável.

“(…) Um farol ainda nada iria guiar enquanto não parar de girar não é leve o que realmente importa são os 12 segundos de escuridão.”


Jorge Drexler

O grande dia! Acordei junto com o sol e após um bom café, peguei a mochilinha de ataque, coloquei água e alguma coisa para beliscar, o chapéu na cabeça e toquei direto para a Barra de Valizas para pegar um bote e cruzar para o outro lado e começar a caminhada de cerca de 9 quilômetros até a vila do Farol do Cabo Polônio. Cheguei antes das 8 horas, a praia estava deserta e nenhum boteiro. Fiquei por ali, curtindo o visual e fazendo algumas fotos até que apareceu um barquinho e no leme o simpaticíssimo Sr. Nelson que antes mesmo de montar sua tenda se prontificou em me levar para o outro lado da barra. A travessia é bem curta, acho que uma distância de 150 metros no máximo, mas como o canal é profundo, ou atravessa de bote ou nadando.

O céu estava completamente azul e ventava fraco, na minha frente 9 quilômetros de dunas e praias desertas. Um ambiente minimalista e completamente selvagem. Algumas dunas chegam a ter quase 40 metros de altura. É um visual alucinante. A caminhada inicia com uma subida para o topo das dunas e de lá, basta seguir o caminho que achar melhor seguindo sempre para o sul. Depois de uma hora e pouco, já andando pela orla, avistei o imponente farol no horizonte e na medida em que me aproximava, podia identificar as casas da vila do Cabo Polônio, que fica dentro do Parque Nacional do Cabo Polônio. A vila é rústica, não existe rede elétrica, nem cercas separando as casas, nada de automóveis, para chegar ali, só de 4×4, cavalo ou na pernada. Um lugar apaixonante que conquistou meu coração.

Fui direto até a colônia de lobos-marinhos e no farol, mas para minha tristeza, a visitação ao farol estava fechada, apenas no período da tarde e eu não estava com planos de ficar tanto tempo ali, pois ainda tinha a volta toda pelo mesmo caminho. É apenas mais um motivo para querer voltar em breve para aquele pequeno e rústico paraíso.

Depois de circular na vila, conhecer um pouco das casas, hostels e pequenos restaurantes, apontei meu nariz para a praia e segui meu rumo, agora para o norte, voltando para Valizas com o sol já alto e forte. A volta foi bem cansativa, deu para fazer umas bolhas nos pés, mas nada de mais. Fui direto para o camping onde tratei de almoçar e ficar o resto do dia de bobeira e descansando.

Resumo do segundo e terceiro dia:

Distância percorrida de bike: 58 quilômetros

Distância percorrida caminhando: 19 quilômetros

Custo da diária camping: 250 pesos

Custo do barqueiro, ida e volta: 200 pesos

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Quarto dia: Valizas x La Paloma x Laguna de Rocha

Decididos em tentar sofrer menos com o sol, despertamos bastante cedo, ainda no escuro, sendo que o Ricardo, uma hora antes de mim. Ele queria arrancar ainda no escuro e aproveitar o máximo de tempo sem sol e sem o vento contrário que vinha nos fazendo companhia desde Punta Del Diablo. Como eu estava um pouco melhor condicionado, combinamos de nos encontrar pelo caminho.

Alcancei o Ricardo quase na entrada para La Paloma, como o sol já estava nervoso e o vento tinha sugado muito da nossa energia, resolvemos parar num dos muitos pontos de ônibus da Ruta 10 que são cobertos e tem bancos… que maravilha! É praticamente um Oasis para um ciclo viajante cansado.

Depois de hidratados e um pouco aliviado, tacamos o trecho que faltava até La Paloma. Chegando lá, “ na capa da gaita”, tratamos de procurar com urgência um lugar para comer e beber algo gelado. Encontramos uma padaria que servia alguns lanches e de cara fizemos nosso pedido acompanhado de duas cervejas de litro Patrícia… Aquilo foi quase um nirvana! Kkkk… Depois fomos comprar um chip de celular para mantermos contato com o povo no Brasil.

Mais um role pela cidade, dois litros de sorvete, para ajudar na hidratação enquanto o sol não dava uma baixada. Logo em seguida, tocamos para a Laguna de Rocha, um pedal de mais 15 quilômetros, chegando lá, pretendíamos fazer a travessia de barco antes do cair da noite, e assim, poder arrancar cedinho no dia seguinte.

Ao chegar na vila de pescadores da Laguna Negra, fomos direto perguntar onde morava o Sr. Pepe, que é um dos pescadores locais mas que também faz o serviços de travessias da barra especialmente para ciclo viajantes. Chegamos na casa do Sr. Pepe que é praticamente uma das últimas, antes da barra e logo ele apareceu. Enquanto conversávamos, ele recebeu uma ligação, um grupo de ciclistas argentinos, porém do outro lado da barra, que precisava cruzar. Tivemos muita sorte, pois bastaria mais uma meia-hora para perder a travessia ainda naquele dia, pois a tarde já estava caindo e até o barco voltar com os argentinos, já não teria mais sol. Sem perder tempo, carregamos as bikes para o barco e cruzamos a barra. Do outro lado, um grupo de 6 ciclistas esperavam para fazer o caminho oposto. Quando desembarcamos, foi uma rápida festa de uns 5 minutos entre nós e o grupo argentino. Mas como a tarde já estava indo embora, precisamos todos seguir nossos rumos.

Montamos as bikes e com o sol se pondo no horizonte, tratamos de pedalar rapidamente para sair logo da área de preservação do parque, pois é proibido acampar ali. Rodamos 5 kms aproximadamente, e já fora do parque, localizamos um trecho de praia deserto, que tinha uma estradinha de uns 700m até a beira do mar, tocamos para lá e já no escuro montamos acampamento na areia da praia, com um lindo visual, céu estrelado e ao norte no horizonte o brilho do farol de La Paloma. Jantamos e caímos dentro das barracas. Adormeci com os sons das ondas que para mim, são como música de ninar.

Resumo:

Distância percorrida: 81 kms

Custo do barco: 200 pesos por pessoa

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“Quando alinhamos o nosso coração com o tempo do mundo, a pressa desaparece e uma mágica acontece. Ao fazermos o que gostamos, seguindo a nossa vocação, as batidas do coração se harmonizam com o ritmo de todas as coisas, e por isso acontece algo inusitado: a vida passa a dar certo.” 

O Homem Livre – Danilo Perrotti

Quinto Dia: Acampamento selvagem em Rocha x Punta Del Este

Durante a noite o vento parou, e o único som era o das ondas. Fez um pouco de frio na madrugada e creio eu, essa soma de circunstancias fez desta noite, a melhor de todas até então. Acordei com o horizonte clareando, antes do sol aparecer na linha do mar. Um espetáculo na porta da minha barraca, que foi montada estrategicamente prevendo esse show logo cedo. “ com a praia bem deserta é que o sol pode nascer”, já cantava Raul Seixas… Maravilha!

Mas o tempo passa, o tempo voa e era necessário partir. Feito ritual do café e desmonte do circo, embarcamos para mais um dia de pedal. A temperatura estava agradável, começamos a pedalar pouco antes das 7 horas da manhã, aproveitando as condições favoráveis.

Neste trecho, a Ruta 10 não tem asfalto, é terra, porém em ótimas condições, momento perfeito para meus pneus 1.95 mostrarem todas as suas virtudes e justificarem o motivo de não usar um pneu slick. Depois de duas horas de pedal suave nos 25 quilômetros de poeirão, com o sol já promovendo aquele bronzeado napolitano, característico de ciclistas, chegamos na novíssima e bela Ponte Circular da Laguna Garzon. Logo que cruzamos a ponte, fomos direto para um Pequeno paradouro, tratar de comer algo, tomar muita coca cola gelada e descansar.

Depois desta parada de cerca de 45 minutos, resolvemos dos separar e nos reencontrar em Punta Del Este pois o Ricardo estava sentindo muito o efeito do calor e achou melhor pegar o ônibus que arranca dali onde estávamos. Meti o pé, ou melhor, as rodas novamente na Ruta 10, agora já com asfalto novamente e novamente o vento contra mostrava as suas armas…kkk… Neste momento lembrei-me da história do meu ídolo maior: “Qualquer um de nós ficaria chateadodesmotivado, mas não este homem! Não Joseph Climber!” Com essa mesma determinação e entusiasmo, fui indo contra o vento e derretendo no sol do meio dia. Depois de quase 3 horas, com algumas paradas para tomar água, sempre nos pequenos Oasis das paradas de ônibus, finalmente cheguei no Camping San Rafael, em Punta Del Este. Rapidamente montei minha barraca, coloquei todas as tralhas para dentro e tratei de ir buscar o Ricardo que não tinha a localização exata do camping e estava me aguardando em um ponto de ônibus.

Resumo:

Distância percorrida: 58 kms

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Este relato é dividido em 2 partes, para ver  mais acesse:

Ciclotour Punta del Este até Colonia del Sacramento parte 2

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