Como a Guerra chegou até mim…

Hoje acordei bastante reflexiva, muito por um episódio que aconteceu ontem, e também porque essa experiência de mochilão vai trazendo, todos os dias, novas realidades, novas percepções, novas verdades…

No mundo hoje acontecem várias guerras, algumas mais divulgadas, outras não, tudo depende de qual o tamanho do impacto na economia global que essa guerra pode provocar. Quanto maior o interesse dos “grandes”, mais noticiado.

Todo mundo, minimamente informado, sabe que Rússia e Ucrânia estão em guerra, não é mesmo?

Mas você sabia que Myanmar sofreu um golpe militar, e há mais de um ano encontra-se em guerra civil interna, onde grupos armados civis enfrentam os militares que tomaram o poder, a fim de defender seus direitos, em um conflito que tem se mostrado mais violento a cada dia?

E não é preciso ir longe do Brasil para saber que existem conflitos armados, guerras, acontecendo a todo tempo. 

Quantos indígenas morrem, todos os dias, em defesa de suas terras?

Quantas minorias lutam todos os dias por direitos básicos? Para terem sua dignidade reconhecida? Isso também é guerra!

Desde que cheguei na Tailândia soube dos conflitos armados em Myanmar (até porque existia uma possibilidade de eu visitar o país), e aos poucos fui percebendo a presença de pessoas daquele país em vários lugares aqui. 

No centro de meditação que fiz voluntariado, duas meninas, muito jovens, receberam abrigo, lá ajudam nas tarefas diárias em troca de alimentação, casa, e principalmente, um ambiente seguro. Elas não falam tailandês, muito menos inglês. Grande parte da comunicação delas acontece através de gestos e exemplificações. O tradutor do Google também nos permitiu trocar algumas palavras.

O hotel onde estou trabalhando agora também serviu de abrigo e segurança para famílias do Myanmar. Famílias inteiras, que fugiram do seu país, tomadas pelo medo, mas também pela coragem e vontade de sobreviver e dar condições mínimas de sobrevivência aos seus. Não falam inglês, e pouco tailandês, mas exibem nos seus rostos um sorriso de alívio.

Mas ontem uma situação me aproximou dos conflitos da Ucrânia e Rússia. Estou dividindo quarto com várias mulheres, de todo o mundo: Israel, Alemanha, Rússia e Itália. Desde que cheguei a russa está com problemas gastrointestinais, diarréia há vários dias, inclusive já tinha ido até a farmácia e estava tomando um conjunto de remédios que o farmacêutico indicou, tentei ajudá-la com recomendações do que comer, porque também já passei meus momentos ruins por aqui e sei como isso fragiliza.

Mas o quadro não estava melhorando, mesmo com o uso de remédios, ontem ela evacuou com sangue, o que a deixou ainda mais preocupada e com medo. 

Em paralelo a isso, em um momento de conversa no quarto ela manifestou, que há 6 anos já está morando fora da Rússia, mas que agora quer voltar, que está procurando passagens aéreas e que está bem difícil. Contou que está falando com seus amigos e que o presidente russo fez novas convocações de jovens para integrarem as forças armadas russas para a guerra.

Ela não tem irmãos, mas teme que seu cunhado seja convocado, e conta que tem amigos que já foram chamados para servir o governo. Contou sobre o desespero de homens abandonando suas famílias no início da guerra, com o objetivo de evitar que fossem forçados a lutar em uma guerra que não era deles.  

Os problemas gástricos dela podem ser sim da água ou da comida, mas ela mesma falou que morou dois anos no Sri Lanka, que as condições sanitárias são bastante inferiores, e que nunca ficou assim. Ela disse que sabe que seu nervosismo, ansiedade e preocupação com família e amigos e toda a situação na Rússia estão contribuindo para que sua saúde esteja fragilizada.

As guerras, os conflitos, as disputas nos afetam todos os dias, mesmo que a gente não veja isso.

Mas ontem, num lugar lindo e de muita paz, eu percebi com clareza, de mais de uma forma, como a guerra chegou até mim.