Huayna Potosí, a jovem montanha de 6 mil metros

A cidade de La Paz fica no fundo de um vale em forma de abóboda, a 3.660 metros de altitude no oeste da Bolívia. Lá, onde nas encostas dos morros, nuas, sobre a terra com brilho de aço, serena e esgotada debaixo do suave pranto do sol, os moradores imprimem uma congregação desordenada de construções despidas de reboco.

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O centro da cidade é apertado, barulhento e movimentado. Tudo se passa nas ruas, que são tomadas pelo caos. Transitam automóveis, pessoas, animais e carrinhos abarrotados de frutas; todos se deslocam, misturados, pelas pistas de rolamento. Ao lado, por detrás das sarjetas e ao longo das avenidas, a vida comercial de La Paz. As mulheres espremem laranjas, cozinham pratos exóticos, negociam chás, ingredientes para rituais, roupas e moedas. Além disso, ao passar o dia na rua, podem-se observar discussões, gargalhadas, turistas e moradores de rua.

Entre as ruelas, esses moradores – qual dentre os dois milhões de habitantes dessa cidade não importa, quase sempre é uma mulher, vestida para o frio seco, miúda e escura em seus trapos, com um pequeno chapéu raso, coroado por uma cúpula ondulada, nivelado exatamente no topo da cabeça. Uma mulher agudamente velha, com um olhar apertado, como se estivesse olhando para uma fonte de luz, pode ser vista com a mão estendida, pedindo esmola para os transeuntes.

As montanhas também podem ser vistas de muito longe. E há muitas para ver – longe das sombras volantes do vale de pedra, incrustado a sudoeste do país, fica o Monte Illimani, com 6.462 metros de altitude. A sacralidade das nuvens que cobre seu cume frágil e enraizado de neve é tão perfeita que, visto contra o céu, parece uma fragílima membrana de vidro, faminta da mais fria noite, quando as primeiras estrelas começam a brotar no espaço. Sua delicadeza é tão radical que nem mesmo a desordem da cidade é capaz de perturbar seu silêncio.

A uns 30 quilômetros a noroeste de La Paz, a paisagem, com seu sol de raios candentes, brilhando de maneira tal que dois terços dos olhos ficam apertados e dolorosos se fixados por muito tempo contra o céu, dá lugar ao altiplano boliviano. Os habitantes locais trazem as farpas da pronúncia milenar da língua aimará, a nasalidade dos homens camponeses, e as mulheres, muitas delas, usam saias plissadas, chapéu-coco e awayo – uma espécie de manta que complementa o traje da tradicional chola.

A terra é árida, e os panoramas são incrivelmente extensos. Lhamas, rebanhos de carneiros e casas de adobe que se elevam graças a paredes cobertas de fuligem e telhados de palha são visíveis muito tempo antes que os viajantes as alcance. Pelas pradarias do altiplano, no meio das amplas lacunas do mapa boliviano, onde não há nada senão silêncio, quando a neve descongela, ou depois que chove, os carros erguem um longo babado de poeira laranja e espessa que é levada pela corrente de ar e se infiltra nas narinas, cabelos e pele com uma facilidade desprezível.

Subimos o barro frouxo até o nordeste da cidade, em uma espécie de caminhão com carroceria de ônibus, da cor laranja e com-muitos-anos-de-vida. Meus companheiros de viagem são Felipe, Willians e Tiago, além de um grupo de aventureiros que estão, assim como nós, nesta expedição para fazer um curso de escalada em gelo com os guias Maximo Kausch e Pedro Hauck. E, se tivermos força, se formos aceitos pelas montanhas, subir o Huayna Potosí, que ocupa a octogésima posição entre os picos mais altos da Cordilheira dos Andes, com 6.088 metros de altitude.

O calor e o prazer de viajar me amaciaram e me deixaram sonolento, então me estendi no ato de observar a paisagem, prestando pouca atenção a qualquer coisa, a não ser a estrada que corre por baixo de mim. Gradualmente, ao longo desses 30 quilômetros de terra, bem próximo da estreita margem do perigo, o sol se inclina a 50 graus à minha esquerda, queimando minha face e meu ombro.

É preciso ser um especialista em geografia para entender esse lugar. A toda hora o viajante se afunda em um longo e exíguo silêncio, tentando decifrar através das janelas borradas do ônibus, onde uma mosca se debate contra o vidro reluzente, os flashes da paisagem fria e enigmática das montanhas enquanto o rugido metálico do motor do ônibus levanta as mansas cabeças de lhamas a meio quilômetro de distância.

De vez em quando, paramos na beira da estrada sempre que alguém deseja descer para urinar. Isso por causa dos quatros litros de água que tomamos diariamente para nos aclimatar à altitude. Menos de dois quilômetros atrás, em um campo plano, a terra se afundava calmamente em um lago, o Milluni, totalmente nu ao sol. Mais além, onde nossos crânios estreitos começam a ser arruinados pela altitude, aproximamo-nos suave e estranhamente até as margens de um cemitério sombrio e submerso na solidão do altiplano. Paramos lentamente o veículo, desci até onde Felipe, Willians e Tiago estavam, observando-o cuidadosamente.

Pendem nas sepulturas folhas metálicas de crucifixos, tortos, enrugados de ferrugem e absurdamente comestíveis ao tempo. Essas sepulturas têm todos os tamanhos possíveis, desde adultos a recém-nascidos. Algumas das maiores, por outro lado, atingem a dimensão heroica de 1,5 metro de comprimento, aglomeradas em um espaço tão apertado que parecem uma colmeia, com menos de um metro umas das outras.

Em 1962 explodiu na comunidade do Alto Milluni uma revolução dos mineradores filiados à Central Obrera Boliviana (COB), que declararam greve de fome para denunciar as condições de cárcere dos trabalhadores das minas e pedir melhorias socioeconômicas no país. A Bolívia passava pela ditadura militar, um governo de direita, comandado pelo general René Barrientos Ortuño.

Em meados de 1964, teve início um conflito dramático entre trabalhadores e o governo. Soldados e aviões da Força Aérea Boliviana receberam ordens para bombardear os acampamentos nas regiões de Trapiche e Viudani, locais onde os mineradores fizeram barricadas e montaram suas trincheiras para enfrentar as tropas do exército. O resultado foi uma carnificina que praticamente dizimou o pequeno povoado. Os que não sobreviveram ao massacre de Milluni – os primeiros como vítimas do governo e os segundos pelas enfermidades e mal de todos os mineiros: a silicose, doença provocada pela inalação da sílica – estão enterrados nesse cemitério.

Huayna Potosí
Foto: Jonatar Evaristo

O LUGAR – Jogados longe o bastante para perdermos a noção de espaço e tempo, aproximamo-nos de uma casa posta solitária a 4.700 metros de altitude no interior do país, a primeira que avistamos em muitos quilômetros. Numa extremidade da casa fica o segundo andar, em cuja parede externa se ergue uma faixa amarela em que se lê “Refúgio Huayna Potosí”. À nossa volta, até onde a vista pode alcançar, tudo se resume em rocha, gelo e montanhas permeadas de neve. Uma delas, de tamanho considerável, com 5.300 metros de altitude, é o Charquinini – e, mais além, como um santuário islâmico de Meca, ouvia o Huyana Potosí me chamando. Elevando-se como um monumento sobre a Cordilheira Real, ele pode ser visto a milhas de distância como um chamado para algo misterioso e sagrado.

Saímos do ônibus. Maximo anunciou: “É aqui, galera, o refúgio!”, enquanto sobre seu ombro direito jogou um longo saco de equipamentos de escalada. Maximo nasceu na Argentina, mas parece brasileiro. Não só pelo domínio da língua, que aprendeu enquanto morou com os pais no Brasil, mas também pelo humor sarcástico. O guia, aos 33 anos, é um homem dotado de uma energia excessiva, usa uma jaqueta vermelho-cereja, de meia idade, desbotada e com logomarcas de equipamentos de montanhismo bordadas no peito; sua pele é de um ouro amargo, rosto confiante, retangular, de aparência saudável.

Seu amigo e sócio, Pedro, tem uma boa dose de barba escura e rasa, queixo quadrado, usa um lenço que se acomoda em torno da cabeça e sobre a testa baixa e brilhante, tem cabelo liso, mãos grandes e braços que vão até o meio das coxas. Há três anos, eles formaram a empresa Gente de Montanha, que nasceu como um modo de espelhar a forma metódica dos guias de encarar o alpinismo e mais ainda como um reflexo mais preciso do estilo de Maximo. Por 24 horas, agora, nos dias seguintes, estaríamos na companhia deles até o fim do curso.

Assim que abro a porta do casarão, sai ao meu encontro o odor amargo do fogo morto da lareira, um aroma seco de mausoléu. No lado direto da parede dos fundos da sala há uma janela; há outra no lado esquerdo, do mesmo tamanho. Essas janelas têm vidros finos, marcados e borrados, de cuja parte superior pende um comprido pedaço de cortina velha e cinzenta, estendidas perpendicularmente, de modo a deixar que uma luz fresca e calma estabeleça algum tipo de brilho no ventre da casa. A lareira, alinhada sobre o túnel embutido da chaminé de pedra, encara de frente a cozinha escura e duas longas mesas de madeira que preenchem metade do ambiente.

Atravessei a porta do aposento e fui para o quarto deixar a mochila. O cômodo é pequeno e escuro, mas grande o bastante para que nele se empilhem três beliches de madeira. A pouca luz que existe entra por uma janela de um metro por um metro e meio, enfiada no lado direito, entre uma parede e outra. Essa disposição faz com que o sol jamais toque o lado esquerdo do pequeno espaço. Num outro quarto, igualmente solitário e frio, ficaram Willians, Tiago e Felipe.

Saí e fui muito silenciosamente pelo corredor aberto, passando pelo paulista Tiago, e segui para fora, subindo um pequeno morro, entre a casa e a estrada, para examinar os glaciares das montanhas à procura de algo vivo, de alguma coisa que se movesse. A primeira impressão é de que a região é destituída de vida, mas, ainda que restrita e frágil, todo o fulgor se afoga na quietude dos montes pálidos da Cordilheira Real. À medida que a noite avança, vejo sumir aos poucos a paisagem rochosa e pálida do Huayna Potosí. Portanto, chega a hora de procurar proteção do calor débil do casarão e algo para comer.

A JANTA – Comemos em pratos sortidos a comida da noite, simples, tradicional, que se estende a uma demanda do dia: sopa de frango. Ela é servida em pratos de cerâmica, fundos, na cor creme e com um fio de desenhos impressos em toda sua cintura. A mesa está sempre cheia de garrafas de água, xícaras e copos translúcidos, alguns são de vidros de geleia vazios.

A sala e a lareira são como que um cômodo, consideravelmente usados à noite, antes do jantar ou por alguns momentos logo depois dele. Os guias Maximo e Pedro se sentam em frente à lareira durante horas vazias da manhã ou durante as instruções teóricas do curso, pois só junto ao fogo há chance de conseguir qualquer brisa de calor.

Os bancos são em número suficiente para que abriguem todos os hóspedes da casa, mas normalmente sobram espaços em dois sofás no fundo da sala, que é estreita demais para proporcionar qualquer conforto para os que ficam grudados em volta da mesa durante as refeições. De qualquer maneira, essas delicadezas estruturais impõem ao ambiente uma fragrância própria, áspera e velha, mas suportável.

Enquanto Willians modela a comida entre os molares e a bochecha, toca em um pequeno rádio um repertório que vai de Eddie Vedder a várias canções de Silverchair. No balcão próximo à cozinha tinha alguns saquinhos de chá de coca. Consumimos quase todos até o fim da noite. Sobraram ainda dois.

O CURSO – Finalmente, sentíamos terra e rocha nos pés – na certa estávamos na trilha para iniciar as aulas práticas de escalada em gelo. Fomos subindo, um atrás do outro: os paulistas Willians, Tiago e Felipe, os guias Pedro e Maximo, mais o grupo de montanhistas e eu. Cada um tateava o chão com os pés, tentando descobrir as variadas formas de se equilibrar no terreno escorregadio para só depois seguir confortavelmente nas áreas menos expostas ao declínio físico. Em todo o caminho o vento crescia, erguendo espirais de poeira como uma fumaça mágica sobre uma trilha arruinada de que haveria de aprender todos os segredos.

É um esforço enorme, uma tarefa de Sísifo, pois a terra desmorona sob seus pés e faz com que a toda hora escorregue e volte ao ponto de partida. Pisar, erguer a perna, compactar o que está embaixo. Repetir, repetir, repetir. Em alguns momentos ela é plena em pó fino e lascas de rocha, de modo que os joelhos são o tempo todo bombardeados com pequenas agudezas rápidas. Até que afundamos em uma encosta e chegamos ao glaciar.

E seria assim que, durante os dias seguintes, as tardes seguintes, nós nos veríamos voltando e voltando de uma consoladora rotina. Claro, essas coisas são divertidas: tão divertidas, Deus me livre, que parecem simples exercícios. São, no entanto, atividades perigosas. A falta de atenção a elas pode pôr sua vida em risco, por exemplo, não saber cair corretamente em uma rampa de gelo de 40 graus. Entender sua aplicação em alta montanha deveria ser tão básico e relevante quanto a respiração.

Certamente não é fácil. Em duas horas seus joelhos e cotovelos estão praticamente cobertos por hematomas do tamanho de uma cebola. No fim de uma semana você estará escolhendo que lado do corpo usar. O truque é cair, girar o corpo, pôr a piqueta na posição transversal ao peito e travar a queda. Ainda outro truque é, entre as vigorosas formas de frear uma queda em terrenos congelados, cair com a cabeça para baixo, girar o corpo 180 graus e travar a piqueta no gelo. Em ambas as manobras nunca se esqueçam de manter os pés voltados para cima, ou você teria que se esforçar muito para não rasgar a carne no gelo durante a descida.

Depois de idas e voltas até a geleira, arrumamos as mochilas para definitivamente partir para o acampamento base, passar uma noite penosa, espremidos em uma barraca para 10 pessoas e, no dia seguinte, superar as seções mais difíceis da expedição e chegar ao topo do Huayna Potosí. A previsão ouvida por telefone via satélite que Maximo obtivera era de que o dia do ataque ao cume seria como tantos outros anteriores: céu azul sem uma nuvem sequer. Partiríamos de madrugada.

REFÚGIO PIEDRAS BLANCAS – Toda estrutura é construída de folhas verticais de lata, dividida em duas câmaras – a cozinha e o quarto; tem pouco menos de quatro metros de comprimento e não mais do que dois de altura. Seu material galvanizado é fosco, da cor laranja. Dentro da estrutura, o piso, a não ser pelo carpete, é de madeira. Em um canto fica a cozinha, confinada e aquecida basicamente por um único fogão a gás. Do lado de fora há outras duas armações, em forma de iglu, em que não cheguei a entrar. Os três refúgios se elevam suavemente sobre a neve, a 5.200 metros de altitude.

Huayna Potosí
Foto: Ângela Santos

Ninguém desses três alojamentos demorará muito para dormir. Hei de me mover com excessivo silêncio e lentidão dentro do saco de dormir para não acordar seus hóspedes. Antes, alimento-me e tomo chá quente, sem desejo, e ele traz um violento e repentino calor extenuante na boca do estômago. É difícil e repulsiva uma refeição antes de dormir, mas é necessário, pois com essa comida deve-se escalar a montanha gelada e íngreme da madrugada. É tarde de uma noite de inverno e o último fôlego contido da luz do dia vai embora, que de tão final parece reminiscência da chama de uma vela acesa. Boa noite!

ENFIM, O GRANDE DIA – Semi-acordei, antes de o Maximo perguntar: “Acordado?”. Na verdade, eu mal havia dormido. Durante a noite, lidei com uma sensação peculiar e diabólica de mal-estar, uma especulação áspera e desesperançosa, um beco sem saída. Olhei para Maximo contra a luz e disse: “Estou com um pouco de dor no estômago e acho que não irei com vocês”. Mas ele sequer confiou nos meus argumentos, contestando-os: “É psicológico. Levante!”.

Mas não era só eu que estava sob influência do desconforto da altitude. Billy, um dos clientes do Gente de Montanha, parecia um menino febril e assustado, acordara várias vezes durante a noite, tomado por uma terrível dor de cabeça. Maximo se aproximou dele e perguntou: “Ei, Billy”, disse, “Está doente?”. A resposta é que ver Billy se levantar foi como injeção de algum narcótico invadindo minhas veias, produzindo um efeito devastador: de alívio e tensão. Ele calçou as botas duplas, ajeitou a cadeirinha no quadril, vestiu a jaqueta de plumas de ganso, tomou chá quente e saiu.

E agora aqui estou eu, como disse, dentro do saco de dormir. Tão doente de sono que mal consigo suportar as lanternas de cabeça encharcando meus olhos de luz. Mas quando o teto e as pessoas dentro do acampamento se tornam visíveis, e elas começam a falar ininterruptamente, não há mais como evitar o desejo agudo de seguir com eles.

“Estão todos aclimatados”, disse Pedro. “Será?”, refleti, desolado, sobre o efeito que produzia aquele incentivo. E completou, enfático – nunca vi um homem mais determinado: “Não há desculpa para não ir!”. Cada palavra dele soava acentuada, clara, anunciada com tamanha determinação que havia entre uma letra e outra um tom rígido, mas vigoroso, que dava para sentir da garganta de quem o emitia. Nessa situação perturbadora, eu concluí que não tinha outro jeito: estaria entre os montanhistas que subiriam durante a madrugada para o Huayna Potosí.

Demorei bastante para me vestir, calçar as botas duplas, pôr os grampons, o capacete e as luvas. Saí do acampamento quase me arrastando de sono, bem atrás de Billy e do guia boliviano, iluminando o caminho com a lanterna frontal. Paramos muitas vezes para descansar, mas Billy mantinha um compasso progressivo e constante sobre a neve. Eu caminhava agora um pouco mais veloz, mas o estava alcançando um pouco lento para minha paciência, enquanto ele olhava para mim breve e impessoalmente, como um cavalo no campo.

Huayna Potosí
Foto: Bruno Norarini

Durante as duas horas seguintes, fomos num ritmo determinado, cruzando fendas ocultas sobre nossos pés e escalando paredes de gelo de 70 graus de inclinação. Além disso, minhas mãos começavam a congelar, em uma ação que afetava as pontas dos dedos que seguravam a piqueta de neve. Percebi que não importava o quanto fosse forte, a mente tentaria tragar cada grau de força que me restava.

Em certos trechos, o caminho sobre a neve estava sólido a ponto de ficar escorregadio; o resto do tempo ela aceitava nossos pés profundamente como se fosse a própria terra e nós os erguíamos a cada passo com três centímetros de gelo dependurados nas botas duplas. Continuei em silêncio, atrás do Billy e do guia, meditando sobre a neve, cuja necessidade falava para seguir em frente.

O sol ainda não se levantara, mas o céu sobre as montanhas estava todo decorado com uma luz laranja, como a de um velho lampião a querosene. Parecia que eu e Billy não estávamos de maneira alguma à vontade um com o outro, mas agora eu sentia que podia confiar nele. Enquanto caminhávamos, ele lançava lentamente um olhar cândido para trás. Era apenas um olhar cuidadoso, e não hostil.

Essa região era nova para mim, ainda totalmente solitária e sem sentido. O nascimento da aniquiladora da luz do dia, virgem e rigorosa, trancada entre montanhas, pode ter sido responsável por essa impressão. A luz do sol no começo da manhã, transparente e quase cegamente clara, acabava de ultrapassar o topo das colinas.

Olhei reto para cima, para o céu, e com um lento olhar pela paisagem submersa percebi que estava apenas alguns metros do cume. Depois de alguns minutos, durante os quais ouvia meus pulmões sorver sofregamente o ar frio da manhã e um fatigado arrastar dos pés, vi-me no topo do Huayna Potosí.

Huayna Potosí

 

Havia tanta coisa acontecendo, de maneira tão rica, que não percebi a precariedade do meu equilíbrio emocional naquele momento. Então, uma lágrima fria irrompeu e vagamente aferroou em padrões geométricos o meu rosto. Tudo isso, todas essas coisas estavam cercadas de tantos significados que era incapaz de manter os olhos e a escrita em direção às montanhas sem agradecer a Deus. Obrigado!

Texto: Jonatar Evaristo
Imagens: Jonatar Evaristo, Felipe Giongo, Maximo Kausch, Bruno Norarini e Ângela Santos. 

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